terça-feira, 4 de agosto de 2009

A Última Mente: Primeiro Capítulo


“A Deus mundo cruéu”
Sem dúvida, seu bilhete de despedida começava tão mal, quanto ela terminava sua vida.
Ambos, bilhete e existência, cheios de erros primários.

Definitivamente, a Língua Portuguesa não era o seu forte.
Ainda assim, mesmo naquela situação crítica, ela não desejava se expor com um bilhete mal escrito.
Seu manual de sobrevivência social havia lhe ensinado a ser discreta e acompanhar o senso comum.
Naquele escritório, naqueles dias não houvera nenhum outro bilhete de despedida para acompanhar ou, discretamente, copiar.
Portanto ela estava desesperada, só e insegura com a gramática!
Mais com ela (a gramática) , do que com o conteúdo do bilhete e do que com o dramático gesto que se propusera a fazer.

Amassou o bilhete, recém iniciado, jogou-o na lixeira e correu para o banheiro antes que desabasse na frente dos colegas de trabalho.
Ao entrar, girou a tranca e iniciou um choro dolorido e descontrolado.
Algumas colegas bateram à porta, perguntando-lhe se estava bem.
Era óbvio que não estava mas, se recompôs e disse que sim.

Ficou um pouco mais de tempo, trancada.
Na pressa, não havia trazido o estojo de maquiagem e a alternativa para substituir a sombra escorrida pelas lágrimas, foi lavar o rosto.
Repetiu a operação várias vezes até que a vermelhidão dos olhos, também diminuísse de intensidade.
Assoou o nariz várias vezes, e retornou à sala junto aos demais colegas.

Questionada sobre o que acontecia, culpou uma briga passageira com o namorado e disse que já estava melhor.
Era final de expediente e ela em breve estaria longe dali , sem a pressão que aquela tarde no escritório lhe impusera.

De cabeça ainda baixa, abriu o Word e digitou:
A Deus mundo cruéu.
Os sublinhados sob as palavras se destacaram.
Clicou em Revisão e a seguir em Ortografia e Gramática.
Primeiro confirmou com Alterar em cruéu e a frase resultante: A Deus mundo cruel, ainda parcialmente sublinhada, merecia mais reparos.
A seguir, confirmou com Alterar em A Deus. O Word definiu: O Deus mundo cruel!
Insistindo um pouco mais tentou: Ou Deus mundo cruel!
A Revisão estava concluída, mas o resultado não a convencera...
Mais algumas tentativas e, finalmente, chegou a: Adeus mundo cruel!

Começou a rir do resultado alcançado e do alívio gerado.
Ergueu a cabeça e olhou em volta para confirmar que não a olhavam.
Abaixou-se, pegou o papel amassado na lixeira e, cuidadosamente partiu em pedacinhos minúsculos, a dramática frase tão mal escrita.

A pesquisa levara tempo suficiente para que o expediente terminasse.
Ela teve tempo de retocar a maquiagem, se despedir dos colegas que ainda estavam por ali e sair.

Aureliano Mailer é mau escritor, porém observador atento da alma humana.

7 comentários:

carol disse...

Dramática gramática suicida.

Lindas e Belas disse...

Deleite! A-do-ro suas história, Aureliano...

Lady Shady disse...

Adorei!
Mas me pergunto que cargo essa mulher ocupava e em que empresa pra cometer erros gramaticais dessa natureza, hehehehe.
Vai ter continuação???!!!!!
Vai, vai, vai????

bjs

Layla Tom disse...

Não entendi Aureliano! Ela conseguiu chegar ao resultado esperado e não deu fim a sua vida???
Quer dizer que ela continua por aí fazendo besteiras e vc continuará a contá-las?
E ainda retocou a maquiagem? Ficou felizinha com o resultado do Word e foi o suficiente para salvá-la? Que alma humana é essa?
Ai, Aureliano, vc é mau escritor e obsevador de almas muito medíocres. Francamente!

Elme Bastos disse...

Layla Tom,
Grande idéia!
Peça ao Aureliano para escrever sobre alguem muito interessante.
Adivinhou?

Aureliano Mailer disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Aureliano Mailer disse...

Elme,

Apesar de Layla ter sugerido para que eu escreva sobre alguem interessante, não vou escolhê-lo, Elme.
Para mim voce, apesar de muito interessante, é muito previsível.