sábado, 13 de junho de 2009

Lixo à beira da estrada - Cap. 1

A loura alta entrou no meu escritório sem bater.
Estava decidida, sabia quem eu era, da minha reputação.
Nada mais sabia sobre mim, descobri isso pouco depois.
Tentei interromper bruscamente o curso de inglês que faço pela internet. Não fui rápido como queria e temi que ela percebesse o que era. Percebi que ouviu parte do diálogo.
Gelei, porque precisava de novos clientes com urgência.
Me recompus, convidei-a a sentar e perguntei-lhe o que desejava.
Ela não respondeu. Estava olhando o ambiente. O pé direito alto, a cortina de tecido pesado até o chão, a grande escrivaninha de madeira escura, o tampo de vidro trincado, o tapete imitando persa, empoeirado.
Tirou os óculos escuros.
Vi seus olhos castanhos, o excesso de maquiagem, a roupa de boa qualidade, as jóias douradas, gargantilha, pulseira, aliança na mão esquerda.
Pensei que o senhor fosse mais jovem, disse.
"E porque deveria ser? ", respondi.
"Nada, preciso de respostas rápidas, é isso. "
"Qual é o seu problema? "
"Preciso provar que meu marido me trai... "
"Senhora, não sou detetive, posso indicar-lhe quem trabalha nesse ramo."
"Meu marido é um homem poderoso, tem muitas posses, a mãe dele me odeia e eu consegui casar com ele porque engravidei."
Perguntei-lhe quem tinha me indicado.
Novamente, evitou responder.
Há cerca de 6 meses atrás, tinha me tornado conhecido por ter defendido a viúva acusada de matar o marido ganhador da mega-sena, aquele de Itaboraí que andava de cadeira de rodas.
Aproveitei a notoriedade do caso, aos poucos fui me afastando da curriola de informantes com quem trabalhava e achei esse escritório de advocacia fechado há quase 10 anos. Consegui alugá-lo perguntando aos porteiros desses inúmeros prédios antigos no centro da cidade, se sabiam de alguma sala disponível.
Foi fácil.
Com a bolada que recebi da viúva, comprei um Vectra semi-novo, tirei o anel de formatura da mão do agiota e mudei todo o meu guarda roupa. Corto regularmente meu cabelo num salão do centro, mantenho o bigode aparado e faço as mãos toda a semana, valoriza o anel de advogado. Minha aparência, meu cartão de visita, sempre repito.
Aluguei um apê na Gloria, mal mobiliado e encardido como o meu antigo terno marron.
De lá para cá, vários trambiqueiros procuraram meus préstimos profissionais, mas decidido a mudar de vida, só me dispus a pegar causas onde o cliente pudesse pagar parte de meus honorários antecipadamente.
Ajudei a uma moça bem jovem a se livrar de uma extorsão do proprietário do imóvel em que ela morava. O pretenso senhorio era procurador de uma viúva, não passava recibo dos aluguéis recebidos e foi fácil reverter a situação, ameaçá-lo e receber uma propina adicional em troca da minha discrição. A moça pagou-me de outro modo, era profissional e nosso acordo funcionou por algum tempo.
Meu escritório era velho e não me ajudava e assim, caminhava a passos acelerados para os braços amargos de meu passado, do outro lado da Baía de Guanabara.
Na última semana, a viúva tinha voltado aos noticiários pois acabara de sair do presídio feminino. Consegui-lhe uma condicional. Só eu sabia o quanto ela havia gasto para se livrar da prisão. Quase tudo segundo ela afirmava, do muito que tinha se apropriado do marido morto. Seu antigo amante, este sim continuava preso.
A loura alta olhava para mim em silêncio.
Imaginei que essa poderia ser a razão para ela estar ali.
Percebi, que estava ali uma chance de adiar meu retorno a Itaboraí.
Concentrei-me nela, contendo minhas suspeitas.
"Bem, senhora, pela sua atitude e com a minha experiência, posso ouvi-la um pouco mais. A propósito, não sou velho como aparento, sou muito vivido", disse-lhe com firmeza.
"A mim não importa sua idade. Tenho pressa. Posso iniciar o meu relato?"
Seus lábios estavam lívidos e ainda segurava com firmeza a bolsa Louis Vuitton.

Aureliano Mailer, escreveu.

7 comentários:

Lindas e Belas disse...

Olha lá, hein, Aureliano? Nada de começar histórias fascinantes e largá-la no meio como umas e outras do Comando...
Adorei.

Editor Procura Autor disse...
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Letícia disse...

Gente, Aureliano se revela aqui um ótimo ficcionista!!!! Estou adorando!!!! Masi, mais, mais!!!

bia disse...

Bom, Aureliano, esse fulano não presta, a loura alta pela sua descrição é uma vigarista, mas a história é ótima! Continua logo, anda!

Layla disse...

Boa literatura, Aureliano.

Lady Shady disse...

Gente, adoreeeeeeei!
Tão Noir!!!!
Vi a cena em P&B e no lugar da cortina pesada, imaginei persianas que deixam os riscos de luz vazarem horizontalmente, borrando as imagens com fumaça de cigarro pousado no cinzeiro.
Muito Noir, muito!
Sexy, com um quê ligeiramente kitch.
Continue, por favor.
Transforme em conto ou livro!

Adorei os rapazes do FALO... só mandando ver!
huuuuummmmmm....

bjs

carol disse...

ninguém segura esse falo. to adorando, ainda bem que quando cheguei, já vi que os próximos estão publicados...