quinta-feira, 16 de julho de 2009

Lixo À Beira Da Estrada – Epílogo


Apenas um ano depois da loura alta entrar no meu escritório, nos casamos numa cerimônia simples, em Juan-les-Pins. Tínhamos resolvido nos mudar para a Riviera Francesa.

Eu, de minha parte, para garantir o investimento no assunto, registrei o contrato matrimonial no consulado brasileiro, em Nice.
Ela, para nos capitalizar, vendeu sua parte no Hotel Saint Paul – Brasília.
Era preciso esquecer Brasília e algumas lembranças que guardávamos do Brasil.

A personagem Mary Holanda era uma delas.
Mary, enquanto Marialva fazia ponto no hotel da família Swanson, em Brasília. Habilidosa, aproximou-se do futuro marido, único herdeiro de toda a família.

Eram 2 irmãos donos de tudo.
O mais velho havia morrido, deixando para a esposa e o filho, a sua metade de todos os bens da família. O outro irmão era viúvo e não tinha filhos.

Marialva soube da estória e soube convencer o único sobrinho-quase-herdeiro que, casando-se com ela e tendo um filho, ele convenceria seu tio, de que era homem de verdade e que daria continuidade aos Swasons. Com esse arranjo, se tudo desse certo ele ficaria com ¾ de tudo e sua mãe, com apenas ¼. Marialva deixou claro na ocasião para o sobrinho-quase-herdeiro que ela era suficientemente pragmática para conviver com as preferências amorosas dele, mas aconselhou-o que fosse muito discreto, principalmente com o tio, com a mãe e com os amigos mais próximos de ambos.

Apesar do arranjo entre Marialva e seu parceiro aparentar ser sólido e de ter sido reforçado, primeiro, pelo casamento e, depois, pelo nascimento de um menino, o sobrinho era péssimo em dissimulação.

Ainda em vida, o tio resolveu fazer o testamento.
Nele, não destinou nada ao sobrinho.
Deixou tudo para seu sobrinho neto, filho de Marialva, que a essa altura passara a se chamar Mary Holanda Swanson!
Surpreendendo a todos que sabiam do valor envolvido, Mary e o marido, pai de seu filho, com a morte do tio seriam gestores da metade da fortuna da família até que o menino atingisse 26 anos. Ela e seu marido teriam 3/4 das cotas e a sogra teria que engoli-la, com véu e grinalda.
Mary gargalhava só de imaginar circulando por Brasília e pelo mundo de longo e a sogra, de tanga.

Era óbvio o que Mary Holanda Swanson tinha em mente, quando veio me procurar.
Sua preocupação não era saber se o marido a traía, mas ela sabia que a sogra ia tirar-lhe tudo caso conseguisse provar que o menino não era sobrinho neto de seu recém-falecido-cunhado!
Por isso Mary tinha tanta pressa...

Eu e Mary viramos amantes, mais por ela do que por mim, podem acreditar.
Eu sentia no ar, o risco que corria.
Eu já tivera a experiência de ter sido usado por mulheres ensandecidas por vingança, por abandono ou por desamor.
Eu já tivera a experiência de ter sido usado por mulheres ensandecidas por dinheiro!
A VÍTIMA É SEMPRE ATRAÍDA PELO OLHAR DA COBRA!, lembrei.
No caso, se eu não tomasse cuidado, eu também seria engolido, na hora em que isso fosse necessário.

Num de nossos encontros, Mary contou-me que poucos meses após o testamento ser registrado em cartório, o tio adoeceu e veio a falecer.
Suspeitei que ela e o marido-sobrinho-quase-herdeiro estivessem envolvidos nisso. Coloquei “pessoa minha” para investigar e, em 6 semanas, foi possível começar a ameaçar o casal com telefonemas anônimos. Devo isso a Bê-Pê, uma amiga que trabalha em educação, mas que podia ser detetive policial.

"Um dia eu lhe pago, Bê-Pê, com juros!"

Advogando para minha promissora cliente, vendi seu carro e com o dinheiro renovei perte do meu guarda-roupa, rapidamente.

Minha aparência, meu cartão de visita, sempre repito.
A outra lembrança que queríamos esquecer foi a morte do marido de Mary.
O marido-sobrinho-quase-herdeiro foi assassinado por um garoto de programa num motel da Barra da Tijuca, após terem tido relação.
Como eu escolhi o motel, as câmeras filmaram a fuga do suspeito e, com o esperma recolhido na vítima, seria fácil encriminar o rapaz.
O rapaz estava apavorado, não lembrava do que acontecera, mas acordara com um “38” em sua mão, com uma cápsula deflagrada, e ao seu lado na mesma cama, o marido-sobrinho-quase-herdeiro-agora-morto.
O cafetão do rapaz, que me devia favores, lhe aconselhou a fugir para Tocantins, até que tudo se acalmasse.
Obviamente, não havia filmagem e o policial que me ajudou com tudo, levou U$ 10 mil.
Na ocasião, a sogra tinha certeza de que minha cliente poderia estar por trás da morte do filho, mas convenci-a a evitar escândalos, a abafar as condições peculiares da morte através de meus contatos e enterrá-lo mantendo as aparências.
Lembrei-a que eram mais de U$ 50 milhões em jogo, que poderiam ficar indisponíveis até os 26 anos do menino. Todos perderiam com isso, possivelmente ela também.
Com a morte do filho, metade das posses da família passariam a ficar sob a guarda de Mary!
Enquanto a convencia, descobri seu ponto fraco ...
Enquanto isso, Mary passou a representar uma ameaça muito grande para o futuro que desenhei para mim.
Éramos cúmplices, mas sua situação era muito frágil.
E ao conhecer sua sogra, percebi até onde eu podia chegar.
Bastou dizer-lhe que o testamento do ex-cunhado estava comigo ...

Um juiz, que escolhi sem que Mary soubesse, exigiu exame de DNA do menino.
Muito mais do que supunha a sogra, o garoto não era filho do filho, nem filho da mãe.
Mary acabou me confessando, que havia arrumado uma criança clarinha num hospital dirigido por freiras, em Curitiba.
Desmascarada e chantageada pela sogra, aceitou ficar com apenas U$ 100 mil, para não ser acusada como mandante do assassinado do marido-sobrinho-quase-herdeiro.
Evidentemente, o acordo financeiro a que chegou com Mary foi intermediado por mim, que fiquei com os honorários combinados e com a maior parte dos U$ 500 mil do acordo.

Recentemente soube de Mary.
Ela voltou para Brasília e mudou de nome.
Como perdeu a juventude tão apreciada pelos calhordas de Brasília, deixou de ser chamada por lobistas para ser “acompanhante de autoridades”.
Voltou a ser morena. Com a ajuda de um deputado cujo nome não quis revelar chegou a dar, recentemente, uma entrevista para a Revista Piauí, como a inocente coletora de assinaturas Janileny Vieira.
Aos incrédulos, recomendo a matéria publicada com ela: http://www.revistapiaui.com.br/edicao_34/artigo_1088/Deputado_nao_resiste_a_oncinha.aspx
Dizem que ainda participa de festas no mesmo hotel, onde conhecera seu falecido marido.

Eu por outro lado, fiz a escolha certa.
Ela é somente alguns poucos anos mais velha do que eu.
Ela não sabe que sei, a sua idade verdadeira.
Sei também outras coisas a seu respeito, que por hora não preciso revelar.
Há hora certa para tudo, aprendi a dizer...

Sempre tive uma queda, pelas mulheres mais velhas do que eu.
Sempre me dei bem com elas.
A ex-sogra de Mary é loura de verdade, muito tratada e aparentamos a mesma idade.
O perfume que usa é o melhor que jamais senti, em toda a minha vida de canalhice.

Lembro bem, que ao entrar naquele jogo de pôquer e pedir 3 cartas, não fazia a mínima idéia que ia quebrar a banca.

A cartomante bem que me disse que minha vida ia mudar...

De lá para cá, raspei o bigode, deixo o cabelo bem curto.
Larguei o anel de advogado no escritório, ao lado do diploma que tinha mandado falsificar.
O relógio, uso descontraído no pulso direito e no esquerdo uma fita do Senhor do Bonfim, saravá!
Se minha mãe estivesse viva e visse essa minha foto ao lado da minha esposa, ex-sogra da Mary, diria: “Êta, moreno arrumado!”

Quando morrer já tenho os dizeres para a minha lápide: “Monsieur Wadson Santos, nasceu pobre em Itaúna, viveu rico, em St Tropez”

Ô revuá, Ipanemá!


FIM

5 comentários:

BiaPrado disse...

É Aureliano, a história é ótima! E no final, vc deve tudo à BêPê, hahahahahahahaha.
Bjs

Layla Tom disse...

É, Monsieur Wadson Santos, Ipanemá ficará na saudade...
Aureliano, vc é mesmo imbatível em criar uma trama sórdida.
O Comando Rosa dará o troco, nos aguarde!
Trompa de Elite, ao combate!!!

Lindas e Belas disse...

Clap-clap-clap-clap!!!!

Lady Shady disse...

Ame o final! Excelente e inusitado, ainda que com pitadinhas do velho e bom clichê policial.
Mas juro que senti falta d 'miolo' disso tudo.
Vc deveria desenvolver e publicar!!!!
Aguardo ansios a próxima história!

bjs

Carol disse...

Parece que não foi apenas Tal João de Santo Cristo que veio pra Brasília pro diabo ter.


Maravilhoso, Aureliano.

Nasceste pra isso!!!

Beijo, Carol